É fato comum no Brasil procurar bode expiatório. Não, me refiro, aquele bode expiatório: animal separado do rebanho, deixado sozinho a mercê da natureza como parte das cerimônias hebraicas; nem tão pouco ao Dia da Expiação, em Jerusalém, cuja descrição você pode encontrar na Bíblia Sagrada, em Levítico, cap. 16. Não me refiro, portanto, a eles. Refiro-me a uma época, não muito distante, em que os economistas do governo para justificar as altas taxas de inflação, e por tabela o fracasso no combate a inflação, apontavam o chuchu, a batata e até o cigarro como argumento para, tentar, justificar os contínuos e seguidos erros da política econômica.
Hoje, por outro lado, o bode expiatório para explicar e acobertar falhas de gestão, e negação de priorização da educação como mola mestra para o crescimento cultural e econômico: é o professor. A fim, também, de mistificar um falso debate acadêmico são convidados inúmeros olheiros de plantão, que mais fazem visitas nas escolas do que ministrar aulas. Porque existe uma diferença em conversar de escola e de adentrar a uma sala de aula e ensinar. Não é aquele discurso vazio “o professor não ensina, ajuda o aluno a aprender”. Muitos se convencem e se convenceram disso, de ser um professor um mero facilitador, cujo termo ainda está em cada canto das escolas.
Tenho pensamento discordante, e quero que provem a min que estou errado. Pois acredito que o professor ensina. Imagine aquela professora que pega a mão do aluno e lhe ensina o movimento de cada letra, visto a dificuldade do aprendiz. Ou quando o professor demonstra os caminhos da solução de uma equação, ou o percurso da reflexão. É claro que tem que haver a outra ponta: o compromisso do aluno com a aprendizagem. Isto porque, o professor não vai obter êxito se o aprendiz se fechar para o ato de aprender. Não é possível vitória se não houver uma equipe, um grupo buscando o sucesso; mesmo em competições individuais há uma equipe em prol daquele competidor. E a escola não é diferente do mundo real.
O fracasso no esporte, para aqueles que têm visão de conjunto, é repartido entre todos e não imputado a um único indivíduo. Concordo se você pensa que uma medalha é entregue a único vencedor. Tudo bem é fato, entretanto o conjunto de atores que auxiliaram no desenho daquela vitória são, do mesmo modo vitoriosos; ou se o contrário a derrota é partilhada por todos. O fanático é que vai, de fora da razão, justificar ou caçar justificativas. No futebol, como exemplo, não é ele quem joga mas os jogadores; entretanto a cultura é impor ao técnico o insucesso do time: estaria correto? Se o jogador não consegue captar as orientações do técnico é ele o culpado?
No âmbito escolar, a culpa pelo fracasso do aluno é o professor. Mesmo que os governantes não equipem a escola com o mínimo necessário: piloto, papel, livro... Idem para o caso em que a situação nutricional de carência do educando, por conta de alimentação inadequada venha compor a variável negativa na concentração. Situação de "miserabilidade" familiar em adição falta de merenda na escola, água, banheiros inapropriados, salas imundas, carteiras quebradas, falta de civilidade, sala quentes e sem ventilação; ou ainda, um ventilador fazendo um ruído insuportável. Conjunto de coisas construídas por falta de visão de dirigentes que não priorizam o ensino e aprendizagem como metas. É o professor único anfitrião dos infortúnios educativos? Aqueles que apregoam ao professor como mestre satã das mazelas educativa o fazem por engano ou premeditados?
Ou, embarcando na reflexão querem o professor como o bode expiatório, semelhante ao chuchu, a batata e o cigarro com o objetivo de justificar os altíssimos índices de evasão, repetência, desinteresse, apatia. É o “réu-professor” o eleito por todo tipo de técnico, políticos e curiosos como o criminoso, o responsável único pelos seguidos e costumeiros erros da política educacional da nação. Exemplificando, se o aluno é desinteressado é porque a aula é desinteressante. O professor não traz novidade para a sala, não usa uma roupa de Xuxa, não imita Rambo, não se veste como palhaço, ou outra coisa parecida. O profissional de educação precisa requebrar, dar pulos, para que a aula chame a atenção do aluno? E, assim, tornar a aula muito interessante. Concordo com a ludicidade, e inclusivo é interessante visitar o site de professor Anselmo, pois ele trata muito bem o tema. Entretanto, voltemos onde paramos quando falava das opiniões que querem atribuir ao professor o insucesso do ensino nacional. Dizem eles que a escola tem computadores, data show, web câmera, TV de 29, mídias e multimídias. E esse "pobre coitado ou coitada" nada faz. Não usa a modernidade com o intuito de tornar as aulas mais dinâmicas, questionam os visitantes, olheiros das UEs.
Bibliotecas repletas de clássicos, e o professor na mesma, com aquelas aulas expositivas não explorando o potencial do futuro leitor. A propósito, a culpa da falta de leitura é do professor porque ele não ler? Logo, o aluno não é leitor, por única culpa do professor? Certo? Errado! Ora, se isso fosse verdade, então a culpa do Brasil ter uma população de desdentados, seria é claro do dentista. Isto é, com base na premissa anterior do professor ser o culpado pelos males da educação. Em sendo assim, cabe aos dentistas a responsabilidade pelo fato do Brasil ser um país de desdentados. Será que os odontologistas aceitariam uma afirmativa de tal natureza? Obviamente não.
Somem-se, ainda, os hospitais superlotados, macas pelos corredores, pacientes no chão, encostados nas paredes, alguns gemendo de dores e implorando por atendimento. Outros aguardando na portaria o maqueiro que demora de chegar, por que precisa colocar um paciente em cadeiras de rodas, a fim de usar essa maca com aquele paciente da portaria, que acabara de chegar. Toda essa sorte de coisa é culpa dos médicos.
Em de acordo com essa tal lógica da culpabilidade, se como disse a premissa fosse verdadeira; a culpa das estradas esburacadas, cheios de crateras, sem acostamentos, também seria culpa dos engenheiros. Porque os engenheiros não fazem o serviço com amor, não usa a modernidade a fim de tornar o asfaltamento mais dinâmico, diminuindo os acidentes e a velocidade dos carros. E a violência urbana ou rural é culpa da policia porque prendem demais e, com isso, lotam os presídios, delegacias. Revoltam os presos e causando mais violência. Se a polícia prendesse menos, os presídios não estariam lotados. Um absurdo se isso fosse verdade. Ora, o policial ser o culpado pela ação da marginalidade, risível!
Absurdo, contrassenso, asneira, de tamanha indignação, é dizer que a culpa da mulher ser estuprada é porque ela veste saia cura provando o homem. Alguém em sã consciência aceitaria isso como verdade? Seria o mesmo que dizer que os bancos são culpados pelos assaltos, porque guardam muito dinheiros nos caixas e cofres, risível. Nenhum banqueiro iria ouvir tamanho absurdo sem uma reação a altura.
Em sendo assim, é urgente e necessário se buscar um verdadeiro resgate para a educação nacional. E isso significa investimento. Quando o governo cria cargos, dar reajustes de mais de cem por cento há recurso. Quando é para educação gera gastos, não investimentos. O professor que não é culpado de coisa alguma é tão vítima tão quanto o aluno, pois são eles que passam oito horas em escolas: com sanitários quebrados, carteiras quebradas, salas sujas, sem poder fazer suas necessidades, com falta d’água, insegurança, assaltos, roubos, furtos, ameaças, ataques de gangs, falta de policiamento. Logo, que todos os faladores de ocasião percebam, que quem fazem educação, quem ensina, quem ajuda os jovens a ter perspectiva de uma vida melhor é o professor. Portanto, o professor aquele que lhe ensinou a falar o que você fala hoje merece respeito, e não é o bode expiatório das mazelas criadas e plantas pela elite, cujo único objetivo é faturar doar em quem doer.
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